Quase seis meses depois do alerta para a circulação do vírus, emitido em
31 de dezembro pela OMS, parte daquilo que era suposto sobre
a COVID-19 mudou, enquanto a prática e as pesquisas consolidaram o que já se sabe e apontam para
aspectos ainda incertos.
Abaixo, o G1 compila o que a medicina aponta
sobre:
Transmissão: a importância dos contatos pessoais, mais que superfícies
Prevenção: máscaras viram objeto obrigatório previsto em lei
Sintomas: nem sempre febre ou tosse definem, há muito mais a analisar
Imunidade: anticorpos são produzidos, mas serão duradouros?
Tratamentos: ainda não há remédio, mas a ciência reage
Grupos de risco: idosos e doentes mais vulneráveis, mas não somente eles
TRANSMISSÃO
O
QUE SE PENSAVA:
No início, a transmissão de pessoa a pessoa foi apontada como a
principal forma: era divulgado que gotículas contaminadas expelidas pela tosse
ou espirro precisavam viajar até ter contato com uma mucosa (olho, boca ou
nariz) de outra pessoa. Pouco era conhecido sobre transmissão por
"aerossol", gotículas microscópicas suspensas no ar.
Em contrapartida, era grande o destaque sobre o impacto do contato com
superfícies contaminadas na transmissão, mas já havia dúvida em relação à
quanto tempo o vírus sobreviveria sobre os materiais e qual a “carga viral”
necessária para infectar uma pessoa.
O
QUE SABEMOS:
A transmissão pessoa por pessoa é o ponto chave. A constatação levou a
práticas de isolamento social e à adoção de máscaras. O risco ainda persiste se
houver superfícies contaminadas, mas o tempo de permanência é variável e o
sol pode ajudar a reduzi a quantidade de vírus nos materiais.
Pesquisas comprovaram a
importância da transmissão por "aerossol", gotículas microscópicas
suspensas no ar, sobretudo em ambientes fechados como escritórios, bares e
templos, locais onde as pessoas falam com proximidade e por longos períodos.
"Hoje, o que
sabemos, o que a realidade nos ensinou, é que a transmissão é majoritariamente
e fundamentalmente pela via respiratória por gotículas. A transmissão por
contato de superfícies é secundária", diz o diretor da Sociedade
Brasileira de Infectologia e coordenador da Comissão de Controle de Infecção
Hospitalar do Hospital Aeroporto, Antônio Carlos Bandeira.
O
QUE FALTA SABER:
Ainda é avaliada qual a capacidade de transmissão do vírus em ambientes
externos e qual é a quantidade de concentração do material genético do vírus
capaz de infectar humanos. Bandeira apresentou um dilema ainda enfrentado por
pesquisadores: quanto tempo um indivíduo infectado efetivamente transmite.
"Você encontra a presença (do vírus) em pessoas até 30 dias
depois", explicou o infectologista. "Está se formando um consenso de
que a transmissão se faz até o décimo, décimo-quarto dia mesmo que tenha o
teste de RT-PCR depois disso."
PREVENÇÃO
O
QUE SE PENSAVA:
As primeiras dicas de prevenção envolviam principalmente evitar tocar
superfícies e contar que pessoas no entorno cobrisse a boca ao tossir e
espirras. O lockdown imposto em cidades da China viraram estratégia. Em um
primeiro momento, os países ocidentais não tomaram como regra a adoção de
máscaras, sobretudo a partir do argumento defendido pela OMS de que esse artigo
deveria ser preservado para uso de profissionais de saúde e pessoas com
sintomas.
“O modelo que eu sigo, é o modelo da Coreia do Sul. Falo em usar
máscaras desde o início. Como trabalho há muitos anos com doenças
transmissíveis, já falava nisso. De fato se demorou muito para abordar
recomendações que são muito corretas.” - Margareth Dalcomo
O
QUE SABEMOS:
Desde o fim de março o Ministério da Saúde sinalizou que as máscaras deveriam ser usadas por toda população, e não somente por quem tem sintomas. A produção caseria foi incentivada, para
que não houvesse disputa pelos artigos que devem ser usados pelos médicos.
"Se produziu um movimento generalizado de máscaras e a gente vê
hoje saindo trabalhos mostrando que o uso de máscara pela população, mesmo de
pano, mas idealmente com 2, 3 camadas se for feito de forma universal pode ter
impacto muito grande junto com distanciamento e a higienização das mãos na
redução significativa das transmissões” - Antônio Carlos Bandeira, diretor da
Sociedade Brasileira de Infectologia e coordenador da Comissão de Controle de
Infecção Hospitalar do Hospital Aeroporto
O
QUE FALTA SABER:
O uso
correto da máscara ainda não é colocado em prática pela população. Cobrir
completamente a boca e o nariz é essencial para a proteção. A máscara funciona
como uma barreira: quem já estiver contaminado não vai espalhar gotículas com o
vírus ao falar, tossir ou espirrar, por exemplo. Daí vem a importância de
jamais deixar os lábios e as narinas expostos.
SINTOMAS
O
QUE SE PENSAVA:
Desde o primeiro caso notificado na atual pandemia de Covid-19, os
principais sintomas atribuídos à doença são tosse seca persistente, febre e
cansaço. Mas essa lista aumentou durante os meses e outras formas de expressão
da doença foram registradas em pacientes de todo o mundo.
O QUE SABEMOS:
Sabemos hoje
que a e febre e tosse não são onipresentes em todos os pacientes diagnosticados
com a infecção pelo Sars-Cov-2 e que, além de outros sintomas terem surgido, em
muitos casos esses sintomas gripais não surgem nos quadros que acabaram se
agravando.
Considerar a
febre como sintoma universal para a Covid-19 foi uma decisão
"completamente equivocada" das autoridades sanitárias, avalia
infectologista Antônio Carlos Bandeira. "Grande parte é assintomática ou
com sintomas variados que não incluem a febre. Um grande percentual, talvez a
imensa maioria, não tenha febre", disse Bandeira. assintomática ou com
sintomas variados que não incluem a febre. Um grande percentual, talvez a
imensa maioria, não tenha febre", disse Bandeira.
A pesquisadora da Fiocruz, Margareth Dalcolmo, lembra que muitos
paciente morreram, sem que se tivesse claro o porquê, por fenômenos vasculares
como trombose e embolia.
"Esta é uma doença de comportamento sindrômico, uma delas é a
pneumonia, mas a doença já se mostrava profundamente trombogênica, ela não
ficava localizada no pulmão apenas", disse Dalcolmo.
Alexandre Naime, infectologista, explicou que a lista de sintomas se
estendeu com o tempo e que pacientes podem expressar um resfriado leve, perda
de olfato e do paladar, e dor de garganta. Ele também apontou para o
aparecimento de "condições anômalas", como infarto, AVC, alteração de
comportamento, fenômenos tromboembólicos, com necrose da ponta dos dedos.
"Não é uma doença exclusivamente respiratória ou pulmonar, é sistêmica",
disse Naime. "O mais comum é a síndrome gripal, ou a síndrome respiratória
aguda grave, que é quando acontece a pneumonia para a Covid."
O
QUE FALTA SABER:
O infectologista Alexandre Naime define a Covid-19 diz que ainda é
preciso saber por que a Covid-19 é uma "doença camaleônica". os
infectados podem ter diferentes sinais e sintomas, inclusive um dos mistérios
da pandemia é o caso de pacientes que não apresentam sintomas ou só os
apresentam quando o quadro já se agrava rapidamente.
IMUNIDADE
O
QUE SE PENSAVA:
Pesquisadores e autoridades de saúde supunham que recuperados da
Covid-19 estariam livres de uma segunda infecção. Houve inclusive a sugestão de
se criar um "passaporte de imunidade" em alguns países. "Tudo
que se falava de imunidade de rebanho e de passaporte de imunidade eram
situações de outras doenças como sarampo, influenza", explicou o
infectologista Alexandre Naime
O
QUE SABEMOS:
É sabido que a infecção faz o corpo criar anticorpos, que são usados
desde em testes sorológicos e até mesmo em terapias alternativas.
O infectologista Antônio Carlos Bandeira avalia que nem todos os
pacientes reagem da mesma forma. "Tem vários tipos, pacientes que não
fazem conversão", disse Bandeira. "Nesse momento ainda é difícil de
entender o porquê será que algumas pessoas produzem essa imunoglobulina
especifica para a Covid e outras não."
O
QUE FALTA SABER:
A pesquisadora da Fiocruz, Margareth Dalcolmo, disse que uma das dúvidas
entre os cientistas que estudam o vírus é sobre a duração de uma imunização.
Ela disse que ainda não se sabe por quanto tempo a produção de anticorpos
protege pacientes que já foram infectados.
Já Alexandre Naime comentou que há estudos "bem preliminares"
que sugerem a chamada imunização cruzada. Ele explicou que esse tipo de
proteção pode acontecer em pessoas infectadas por outros tipos de coronavírus,
e já estariam protegidas do Sars-Cov-2.
"Tem alguns lugares que com 5% a 10% da população exposta, não está
circulando. Talvez a gente tenha algum grau de imunidade cruzada com vírus da
mesma família", disse Naime.
TRATAMENTOS
O
QUE SE PENSAVA:
Ainda não há um remédio que cure a Covid-19, mas sim recomendações e
tentativas de combater a infecção em pacientes hospitalizados. O uso de
fármacos de maneira compassiva ou experimental foi apontado por alguns como
soluções milagrosas para a doença.
O
QUE SABEMOS:
Antonio Bandeira disse que "continuamos trabalhando no escuro"
quando o assunto é tratamento para a Covid-19. "O caminho, nesse momento,
do tratamento depende da excelência dos centros médicos", reforçou o
especialista.
Segundo ele, é o apoio ventilatório das unidades de tratamento intensivo
(UTI) e o cuidado de intensivistas com os pacientes críticos que fazem a
diferença neste momento. "Nesse momento não existe droga nenhuma, milagre
nenhum que modifique um cuidado mais abrangente", disse bandeira.
A pesquisadora da Fiocruz reforçou que não há nada "suficientemente
capaz de curar a Covid-19" até o momento. Dalcolmo disse que durante estes
seis meses de epidemia, surgiram fármacos com resultados positivos in vitro que
começaram a ser experimentados em tratamentos.
Muitos deles já são avaliados por pesquisas maiores e foram abandonados,
é o caso da hidroxicloroquina, que não é recomendada para o tratamento por
diversos especialistas (OMS inclusive suspendeu testes). Atualmente há
expectativa pelo avanço das pesquisas com corticoides (dexametasona) e
antivirais (remdesivir), que tiveram algum efeito na redução da mortalidade e
na diminuição das internações em pesquisas iniciais.
O
QUE FALTA SABER:
Não se sabe se ou quando teremos um remédio efetivo. Alexandre Naime
defendeu que as respostas definitivas aos tratamentos só podem acontecer depois
de ensaios clínicos randomizados. Pesquisas mais avançadas com o uso de
placebos e medicamentos ativos.
"O que aconteceu foi que muitos estudos com metodologia péssima, e
muitas vezes nem estudos, experiências de boca própria foram tomados como
verdade", disse o especialista. "Enquanto não acabarem os estudos,
não vamos dizer o que funciona e o que não funciona. Nós temos que aguardar a
resposta final dos estudos, ciência não se faz do dia para a noite."
GRUPO DE
RISCO
O
QUE SE PENSAVA:
Em um primeiro, sobretudo depois das análises da mortalidade a China, as
maiores preocupações estavam voltadas para os idosos e pessoas com doenças
pré-existentes.
O
QUE SABEMOS:
É fato que a idade é um dos fatores para aumento do risco de
complicações da doença, e homens são mais afetados que mulheres (60%-40%). Mas
os pesquisadores foram surpreendidos com o impacto entre pacientes obesos após
a epidemia se instaurar na Europa e nos EUA.
"Não sabíamos dos obesos, com o IMC maior que 30, que iam para a
UTI", disse Naime. "Grandes estudos americanos mostram que há também
a falta de percepção da obesidade, hipertensão, diabetes entre os internados,
muitos não sabiam ter comorbidades."
O
QUE FALTA SABER:
Os pesquisadores dizem que falta saber porque alguns pacientes reagem de
forma mais grave que outros ao ser infectado pela Covid-19. Além disso, o
surgimento de uma síndrome associada à Covid que afeta crianças despertou um
alerta para cientistas.
Fonte: G1