A redução da maioridade penal no
Brasil, de 18 para 16 anos, que entrou na pauta da Câmara dos Deputados na
última semana, segue mobilizando entidades sociais e de direitos humanos
contrárias à referida Proposta de Emenda Constitucional 171/93.
A Cáritas brasileira, organismo da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), divulga um manifesto no qual
reafirma seu posicionamento contrário às propostas que tramitam no Congresso
Nacional e que versam também sobre o aumento do tempo de internação para menores
infratores. “Compreendemos que crianças e adolescentes respeitados em seus
direitos dificilmente serão violadores/as dos Direitos Humanos”, diz um trecho
do manifesto.
“Ressaltamos
o nosso compromisso de exigir a obrigação e responsabilização do Estado em
garantir os direitos constitucionais fundamentais para todas as crianças e
adolescentes, assegurando-lhes condições igualitárias para o desenvolvimento
pleno de suas potencialidades, assim como assegurar que as famílias, a
comunidade e a sociedade tenham condições para assumir as suas
responsabilidades na proteção de seus filhos/as”, diz o texto.
O manifesto da Cáritas destaca que
as medidas de redução de direitos, principalmente no que se refere à redução da
maioridade penal e do aumento do período de internação, atinge principalmente
os e as jovens marginalizados e marginalizadas, negros e negras, aqueles que
moram na periferia, que já tiveram todos os seus direitos de sobrevivência
negados previamente. Para a entidade, é preciso constatar que a violência tem
causas complexas que envolvem: desigualdades e injustiças sociais; aspectos
culturais que corroboram para a construção de um imaginário de intolerâncias e
discriminações, especialmente contra a população negra, pobre e jovem.
Além disso, “a realidade de
políticas públicas ineficazes ou inexistentes; falta de oportunidades para o
ingresso de jovens no mercado de trabalho; e a grande mídia que atribui valores
diferentes a pessoas diferentes conforme classe, raça/etnia, gênero e idade”. A
medida de redução da maioridade penal, para a Cáritas, é remediar o efeito e
não mexer nas suas causas estruturais. Pesquisas no mundo todo comprovam que a
diminuição da maioridade penal não reduz o índice de envolvimento de
adolescentes em atos infracionais.
Já a
Pastoral da Juventude (PJ), organização da Igreja Católica também ligada à
CNBB, em nota de repúdio à PEC 171/93 afirma que à característica massiva do
encarceramento no Brasil soma-se o caráter seletivo do sistema penal: “mesmo
com a diversidade étnica e social da população brasileira, as pessoas
submetidas ao sistema prisional têm quase sempre a mesma cor e provêm da mesma
classe social e territórios geográficos historicamente deixados às margens do
processo do desenvolvimento brasileiro: são pessoas jovens, pobres, periféricas
e negras”.
Trancar jovens com 16 anos em um
sistema penitenciário falido que não tem cumprido com a sua função social e tem
demonstrado ser uma escola do crime, não assegura a reinserção e reeducação
dessas pessoas, muito menos a diminuição da violência. A proposta de redução da
maioridade penal fortalece a política criminal e afronta a proteção integral
do/a adolescente”, assinala a PJ.
Pressupostos equivocados
Já o
Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) afirma que a redução da
maioridade penal está em desacordo com o que foi estabelecido na Convenção
sobre os Direitos da Criança, da ONU, na Constituição Federal brasileira e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Esta seria uma decisão
que, além de não resolver o problema da violência, penalizará uma população de
adolescentes a partir de pressupostos equivocados.
No Brasil, os adolescentes são hoje
mais vítimas do que autores de atos de violência. Dos 21 milhões de
adolescentes brasileiros, apenas 0,013% cometeu atos contra a vida. Na verdade,
são eles, os adolescentes, que estão sendo assassinados sistematicamente. O
Brasil é o segundo país no mundo em número absoluto de homicídios de
adolescentes, atrás da Nigéria. Hoje, os homicídios já representam 36,5% das
causas de morte, por fatores externos, de adolescentes no País, enquanto para a
população total correspondem a 4,8%.
Mais de 33 mil brasileiros entre 12
e 18 anos foram assassinados entre 2006 e 2012. Se as condições atuais
prevaleceram, outros 42 mil adolescentes poderão ser vítimas de homicídio entre
2013 e 2019. “As vítimas têm cor, classe social e endereço. Em sua grande
maioria, são meninos negros, pobres, que vivem nas periferias das grandes
cidades”, assinala o Unicef.
Face
mais cruel
A Associação Nacional dos Centros de
Defesa da Criança e do Adolescente – ANCED/Seção DCI Brasil, organização da
sociedade civil de âmbito nacional que atua na defesa dos direitos humanos da
infância e adolescência brasileira, e a Rede Nacional de Defesa do Adolescente
em Conflito com a Lei (Renade) também divulgam uma nota pública denunciando que
a redução da maioridade penal trata-se de medida inconstitucional e que submete
adolescentes ao sistema penal dos adultos, contrariando tratados internacionais
firmados pelo Brasil e as orientações do Comitê Internacional sobre os Direitos
da Criança das Nações Unidas.
“O
modelo penitenciário brasileiro é a face mais cruel de uma política pública
ineficaz e violadora de direitos humanos, não se configurando como espaço
adequado para receber adolescentes, pessoas em fase especial de
desenvolvimento. A redução das práticas infracionais na adolescência passa
necessariamente pelo enfrentamento das desigualdades sociais e, especialmente,
pela implementação do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo [Sinase]”,
observam a Anced e a Renade.
Alternativas ineficientes
O
Núcleo Especializado de Infância e Juventude da Defensoria Pública de São Paulo
encaminhou uma nota técnica a todos os deputados federais manifestando-se
contrariamente à PEC 171/93, uma vez que a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados irá
promover uma audiência pública para discutir a admissibilidade da proposta e
outras a ela vinculadas.
O texto da nota destaca que as
medidas de endurecimento do sistema penal adotadas ao longo dos anos, se
mostraram alternativas ineficientes para reduzir a criminalidade e garantir
segurança à população. Segundo pesquisa do Ministério da Justiça, após a
promulgação da Lei dos Crimes Hediondos (Lei
n.º 8.072/1990), a população carcerária no Brasil saltou de 148
mil para 361 mil presos entre 1995 e 2005, mesmo período em que houve o
crescimento de 143,91% nos índices de criminalidade.
Ainda segundo o Ministério da
Justiça, entre dezembro de 2005 e dezembro de 2009, a população carcerária
aumentou de 361 mil para 473 mil detentos – crescimento de 31,05%, período que
coincidiu com a entrada em vigor da Lei que recrudesceu as penas dos crimes
relacionados ao tráfico de drogas (Lei n.º 11.343/2006).
A nota
técnica lembra, ainda, que nos 54 países que reduziram a maioridade penal não
se observou diminuição da criminalidade, sendo que Alemanha e Espanha voltaram
atrás na decisão após verificada a ineficácia da medida.
A Comissão Especializada de Promoção
e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Colégio Nacional de
Defensores Públicos-Gerais (Condege) também divulgou uma nota pública
manifestando repúdio às Propostas de Emenda Constitucional que pretendem a
redução da maioridade penal.
Publicado pela colaboradora:
Nenhum comentário:
Postar um comentário