Se a devastação causada
pelo CORONAVÍRUS no mundo é mais do
que conhecida, o que ele faz dentro do corpo e em nível microscópico ainda é
uma área carente de respostas.
Responder a isso é crucial não só para a
produção de conhecimento científico sobre a doença como também para o
desenvolvimento de medicamentos potencialmente capazes de contê-la.
A célula infectada,
seguindo as instruções do vírus (em azul), desenvolve longos tentáculos que
permitem a infecção de outras células — Foto: Elizabeth Fischer/Microscopy Unit
NIH/NIAID/BBC
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Uma equipe internacional
de cientistas que vem explorando a atuação do vírus dentro do corpo descobriu
algumas pistas de como o Sars-Cov-2 infecta células — e obteve também imagens
disso.
A descoberta mais surpreendente é a de que
as células humanas infectadas com o CORONAVÍRUS sofrem uma transformação
"sinistra".
Seguindo as instruções do vírus, as células
desenvolvem filopódios — filamentos longos, semelhantes a tentáculos. Estas
protuberâncias não são muito comuns, mas já foram observadas em outros vírus,
como o vírus de Marburg.
Nestes casos conhecidos, foi observado que
os vírus recorrem a esses tentáculos tanto para sair da célula afetada quanto
para alcançar células próximas e, assim, acelerar a infecção.
"O que descobrimos
é que o vírus induz a célula a criar essas protuberâncias, que são como galhos
longos ou tentáculos", explicou à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da
BBC, um dos autores da pesquisa, o professor Pedro Beltrao, pesquisador do
Instituto Europeu de Bioinformática do Laboratório Europeu de Biologia
Molecular (EBI-EMBL), em Cambridge, Inglaterra.
A pesquisa, que teve parte de seus
resultados publicada no periódico Cell, teve também a colaboração de
pesquisadores da Universidade da Califórnia em São Francisco e da Escola Icahn
de Medicina Mount Sinai (ambas nos EUA), do Instituto Pasteur na França e da
Universidade de Freiburg na Alemanha.
As imagens reveladas pelo estudo mostram células
humanas infectadas com um detalhamento inédito — Foto: Elizabeth
Fischer/Microscopy Unit NIH/NIAID/BBC
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"Em outros vírus,
já foi observado que (essas protuberâncias) desempenham um papel na rápida
disseminação da infecção, porque elas ajudam o vírus a invadir células
próximas."
Embora o papel dos filopódios na infecção
não tenha sido demonstrado neste estudo, os pesquisadores acreditam que existe
uma "alta probabilidade" de que o Sars-Cov-2 também esteja usando
esses tentáculos para acelerar sua propagação.
O que essa pesquisa já conseguiu foi
produzir imagens impressionantes da célula infectada, mostrando-a como nunca
vista antes, inclusive com as estranhas estruturas dos filopódios.
As fotografias, capturadas por Elizabeth
Fischer, da Unidade de Microscopia dos Laboratórios Rocky Mountain, nos Estados
Unidos, e cientistas da Universidade de Freiburg, revelam como o vírus brota
dos filopódios e se expande através de uma ramificação.
MAQUINÁRIO CELULAR 'VIOLADO' PELO VÍRUS
Os pesquisadores também
descobriram que o vírus, além de causar a criação desses
"tentáculos", provoca outros comportamentos atípicos dentro da célula
infectada.
"O principal objetivo do estudo era
tentar encontrar drogas que impedissem o vírus de fazer alterações na célula
humana", explica Pedro Beltrao. "Mas, para conseguir isso, primeiro
precisamos entender como o vírus controla os mecanismos da célula para realizar
sua própria replicação."
Um vírus que entra no corpo humano
"quer" sobretudo criar cópias de si mesmo para espalhar a infecção.
Mas o vírus não pode criar
essas cópias por conta própria. Ele precisa entrar em uma célula, assumir o
controle do maquinário celular e manipulá-lo para se reproduzir.
"O vírus não consegue se replicar
sozinho porque tem um número muito pequeno de proteínas, por isso precisa assumir
o controle das proteínas na célula humana", diz Beltrao.
O vírus usa os filopódios para sair da célula
infectada e infectar outras células próximas — Foto: Elizabeth
Fischer/Microscopy Unit NIH/NIAID/BBC
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Entre essas proteínas,
existem várias que são essenciais, as chamadas enzimas quinases — capazes de
realizar modificações em outras proteínas que já foram produzidas.
O vírus então assume o controle dessas
enzimas para realizar modificações e regular a atividade da célula.
Ao alterar os padrões de proteínas
celulares, o vírus pode promover sua propagação para outras células.
OS TRÊS MECANISMOS DO
VÍRUS DENTRO DA CÉLULA
Depois de mapear as
modificações que o vírus provoca, os cientistas destacaram três comportamentos
principais na célula infectada.
"Um desses comportamentos é a criação
das protuberâncias, os longos tentáculos", enumera Pedro Beltrao à BBC
News Mundo.
"Outro comportamento visto é que a
célula para de se dividir em um determinado ponto do ciclo de divisão e
acreditamos que isso favorece a replicação do vírus."
"E o terceiro comportamento que
detectamos é um aumento na produção de citocinas, responsáveis pela resposta
inflamatória. Acreditamos que este pode ser um dos fatores causando uma
inflamação exagerada nos estágios avançados da Covid-19", acrescenta o
pesquisador.
DESCOBERTAS PODEM AJUDAR A ENCONTRAR TRATAMENTO
Outro avanço do estudo é
a indicação de que medicamentos existentes e que podem ser bons candidatos para
interromper o coronavírus. Esses tratamentos, muitos dos quais usados contra o
câncer, parecem bloquear os sinais químicos que desencadeiam a formação dos
tentáculos.
Regular as enzimas quinases também pode ser
um mecanismo de ação chave em um eventual tratamento para a Covid-19.
Filopodia não são comuns, mas foram observados em
outros vírus como o Marburg — Foto: Elizabeth Fischer/Microscopy Unit
NIH/NIAID/BBC
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Os cientistas testaram
cerca de 70 medicamentos existentes e identificaram sete, principalmente
tratamentos anticâncer e anti-inflamatórios, que demonstraram inibir a
atividade da quinase.
Agora, os pesquisadores esperam iniciar
ensaios clínicos para testar os tratamentos em humanos.
A equipe também comemora a colaboração
internacional e a conquista rápida de descobertas.
"Para mim, pessoalmente, foi um
projeto científico fantástico, porque não é todo dia que você pode trabalhar em
conjunto com tantos pesquisadores brilhantes de diferentes partes do
mundo", afirmou Pedro Beltrao à BBC News Mundo.
"Este é um projeto que, em outra
época, levaria de três a cinco anos e foi concluído em três meses. Isso, para
mim, foi algo incrível", acrescenta o cientista.
Fonte: BBC News
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